sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Fidelidade partidária no Santa Marta

Escalar uma seleção com os maiores sambistas de partido-alto que o país já viu seria uma tarefa complicada.

Porque, desde que o samba é samba, houve muito mais do que 11 mestres, do que 11 craques especialistas em versar e encantar a plateia. É como no futebol brasileiro. Quem foram os 11 melhores de todos os tempos? Complicado.

Como no futebol, para ganhar a fama de gênio nesse estilo conhecido como partido-alto é preciso suar a camisa. O cara precisa ter técnica. Precisa saber improvisar. E precisa estar em boa forma. Como diz o sambista Mauro Diniz, o partideiro fora-de-série é aquele que, “quando você raciocina A, ele já pensou no alfabeto inteiro”.

Pois quatro desses craques do raciocínio rápido vão estar em ação este sábado na quadra do morro Santa Marta, no samba do Spanta Neném, a partir das 17h30. Versadores de altíssimo gabarito, Tantinho da Mangueira, Marquinhos China, Renatinho Partideiro e Serginho Procópio da Portela são devotos fiéis desta nobre vertente do samba, que veio de Angola e hoje é coisa nossa.

O problema é que, para entender como eles realmente são bons, só indo lá. Sim, pois partido-alto é momento. Como bem define o compositor e pesquisador Nei Lopes, em seu livro “Partido-alto – Samba de bamba”, partido-alto é, sobretudo, o samba da elite dos sambistas, bem-humorado, encantador e espontâneo.

Espontaneidade é o ingrediente fundamental. Por isso, apesar de muitos registros divertidos em discos, shows e programas de TV, o partido-alto verdadeiro só pode ser apreciado ao vivo. Como reforça Nei Lopes: “O partido alto tem como seu lugar preferencial a festa do samba, o pagode, e não o disco e muito menos o palco”.

Porque é ali, na roda, longe da parafernália dos shows e estúdios, que o sambista descontrai o suficiente para encaixar na rima o vestido com o rosto de Mona Lisa que a bonita morena está usando, como a roda do Candongueiro fez certa vez em Niterói, num samba em 2000 com a presença de Nelson Sargento. É no calor e na descontração dos pagodes que versos impagáveis se sucedem, como por exemplo:

“A nega esticou o cabelo / Saiu toda prosa pra ir passear / Deu uma chuva de vento / O cabelo da nega voltou pro lugar...”

“Sete mulheres já tive / Sete mulheres amei / Sete vezes fui à forca / Sete vezes escapei...”

“Estava jogando sinuca / Uma nega maluca me apareceu / Estava com o filho no colo / Dizendo pra todos que o filho era meu...”

Teve graça, ler os versos? Pois é, na hora é melhor. Afinal, é igual futebol. O grande craque precisa ser visto e aplaudido ao vivo.

E qual seria enfim, a seleção brasileira de partideiros, os 11 gênios bem-humorados que inspiram (e abençoam) os grandes Tantinho, Serginho, China e Renato até hoje?

Um timaço possível?

Padeirinho, Xangô, Geraldo Babão e Sombrinha; João da Gente, Arlindinho, Almir Guineto e Noel Rosa; Zeca Pagodinho e Aniceto. No gol, Beto sem Braço.

Texto: Marcelo Dunlop

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